Capítulo 7 - Reflexões Entre o Barro e as Orquídeas

Neusa Mateus

Capítulo 7 - Reflexões Entre o Barro e as Orquídeas

O entardecer avançava suavemente, tingindo o céu de tons dourados e acobreados. Na grande mesa de trabalho, as mãos de cada um dos presentes moldavam o barro com atenção, enquanto a conversa fluía com a mesma naturalidade dos gestos. O calor da lareira ainda ressoava nas paredes da casa, tornando o ambiente mais íntimo e convidativo.

Aiko, agora completamente no comando da sessão de cerâmica, observava com satisfação os amigos se esforçando para dar forma às suas canecas.

— A cerâmica tem algo de muito simbólico — comentou, passando os dedos delicadamente sobre o barro úmido. — Somos como o barro nas mãos do oleiro. Se permitirmos ser moldados, podemos nos tornar algo belo e útil.

Noah sorriu ao ouvir aquela analogia.

— Engraçado ouvires isso de alguém que não acredita em Deus — provocou, com um brilho divertido nos olhos.

Aiko ergueu a sobrancelha, mas sorriu.

— Não acreditar não significa que eu não veja sentido em algumas verdades universais. A transformação, o recomeço... são conceitos que me fascinam.

Sofia, sempre disposta a encontrar pontes entre as crenças e os corações, aproveitou a deixa.

— E não é exatamente isso que Deus faz? Ele nos molda, mesmo quando ainda somos um bloco sem forma. A diferença é que Ele já vê a peça pronta antes mesmo de começarmos a ser trabalhados.

Eduardo, que até então estava concentrado na sua peça, interveio:

— Sempre achei curioso como a natureza reflete a obra de Deus. As plantas, por exemplo, crescem em qualquer lugar, mas quando cuidadas com atenção, florescem de forma extraordinária.

— Tal como as orquídeas do Noah — acrescentou Teresa. — Não é qualquer um que tem mão para essas plantas. Elas são exigentes.

Noah riu, inclinando a cabeça ligeiramente.

— Elas exigem paciência, sim. Mas são resilientes. Tal como as pessoas. Basta criar o ambiente certo para que cresçam saudáveis.

Aiko passou os olhos pela casa e pousou o olhar sobre um dos vasos onde Noah cultivava uma orquídea branca.

— Então, está decidido — disse, com um tom de brincadeira. — Quando terminarmos as canecas, vou fazer um vaso especial para uma das suas orquídeas. Considera isso um presente.

Os outros soltaram exclamações de aprovação, e Beatriz bateu levemente as mãos na mesa.

— Eu apoio essa ideia! Um vaso feito pelas mãos da Aiko para as preciosas orquídeas do Noah. Melhor combinação impossível.

Noah olhou para Aiko com gratidão e uma pontada de algo mais, algo que não soube nomear naquele instante.

— Aceito. Mas quero que seja um vaso que represente algo importante para ti também. Algo que conte uma história.

Ela inclinou a cabeça levemente, ponderando a ideia.

— Desafio aceite.

A conversa seguiu fluindo entre reflexões e risadas enquanto as canecas tomavam forma. Entre um molde e outro, Beatriz, sempre animada, resolveu mudar de assunto.

— E agora, algo que não envolve barro! O que acham de passarmos a virada do ano juntos? Já tratei de tudo e reservei chalés na Serra da Estrela para nós. Neve, lareira e uma vista incrível. Quem está dentro?

O grupo reagiu com entusiasmo. Ricardo, que até então estava concentrado na sua peça, ergueu os olhos com um sorriso.

— Isso significa que vamos finalmente ver a Beatriz a tentar esquiar? Porque eu pago para ver isso.

Beatriz revirou os olhos, mas riu.

— Vais pagar para ver-me brilhar! Mas falando sério, reservei três chalés, cada um com três quartos. Num deles ficam os casais Eduardo e Marta, e David e Sofia. No segundo, Ricardo e Joana, Teresa e Filipe. E no terceiro, os solteiros: eu, Noah, Aiko e Leonardo. Se me esqueci de alguém, que me corrija agora.

Todos confirmaram, e Aiko, que até então apenas ouvia, brincou:

— Então vamos partilhar o mesmo espaço de novo, Noah? Já estás a habituar-me a passar dias na tua casa...

Ele sorriu, sentindo uma leve pontada de algo que, mais uma vez, não soube nomear.

— Parece que sim. Mas aviso desde já que, se nevar demasiado, sou péssimo a acender lareiras.

Aiko riu.

— Bom saber. Isso significa que alguém vai ter que aprender antes da viagem.

O grupo seguiu com os planos, já entusiasmados com a ideia de passar a passagem de ano juntos. Enquanto isso, Noah e Aiko trocavam olhares entre risos, moldando não apenas o barro, mas também uma conexão inesperada que começava a ganhar forma.

Assim que todas as canecas estavam prontas, o grupo decidiu levá-las até à estufa do lado de fora, onde ficariam protegidas até o momento da queima. O frio da noite já se fazia sentir, mas a alegria do grupo tornava o momento ainda mais especial.

— Agora só falta o toque final — disse Ricardo, observando as suas mãos sujas de barro. — Mas já estou ansioso para ver o resultado.

— Quem diria que tínhamos tanta habilidade artística — brincou Filipe, ajeitando a caneca que moldara.

De volta para dentro, o calor da lareira acolheu a todos novamente. O aroma da sopa que Beatriz e Leonardo preparavam na cozinha começava a se espalhar pela casa, trazendo memórias de infância a quem sentia aquele cheiro reconfortante.

— Esta receita é da minha avó — explicou Beatriz, enquanto mexia a panela com uma colher de pau. — Uma sopa tradicional que sempre aquece os nossos natais. Espero que gostem.

Leonardo, que se ofereceu para ajudá-la, sorriu enquanto cortava alguns ingredientes.

— Se tiver tanto sabor quanto história, será a melhor sopa que já provei.

Enquanto isso, Noah e Aiko estavam na sala de jantar, preparando a mesa. Aiko pegou uma das tigelas de sopa de Noah e passou os dedos pela borda com curiosidade.

— Estas peças são lindas — comentou. — São feitas à mão?

Noah assentiu, com um leve sorriso.

— Sim, comprei-as de um artesão local. Gosto de usar peças únicas, que carregam histórias. É por isso que a tua presença aqui hoje faz tanto sentido.

Ela olhou para ele por um instante, como se refletisse sobre aquelas palavras.

Na sala, os restantes dos convidados estavam reunidos à beira da lareira, aproveitando o calor enquanto combinavam os detalhes para a viagem do dia seguinte.

— Então, amanhã cada um volta para casa e nos encontramos na Serra da Estrela no dia 30? — perguntou Sofia, aconchegada numa manta.

— Exatamente — respondeu Beatriz. — Assim temos tempo para organizar tudo antes da viagem.

O jantar seria servido em breve, e enquanto a sopa fervilhava na cozinha, a promessa de mais momentos inesquecíveis preenchia o ar.

 

Regresar al blog

Deja un comentario