Capítulo 6 - O Almoço de Natal e a Surpresa de Cerâmica

Neusa Mateus

25 de Dezembro de 2015

O dia 25 de dezembro amanheceu radiante, com o céu azulando-se entre as nuvens frias do inverno. Dentro da casa, o aroma reconfortante de especiarias e ervas pairava no ar, enquanto o cabrito assava lentamente no forno, impregnando o ambiente com o perfume clássico do Natal português. No entanto, na minha travessa, repousava algo bem diferente: uma lasanha de legumes assados e tofu grelhado, cuidadosamente preparada para harmonizar com os demais pratos da ceia.

À medida que os convidados desciam dos quartos, uma coisa tornou-se evidente: todos haviam cumprido o dress code à risca. O verde e dourado dominava a cena, desde os vestidos elegantes das mulheres até as camisas e suéteres refinados dos homens. Sofia, sempre atenta aos detalhes, entrou na sala de jantar com um sorriso satisfeito ao ver a elegância do grupo.

— Que espetáculo! Parece até um jantar da realeza! — brincou Beatriz, girando para exibir o brilho discreto do seu vestido verde-esmeralda.

— Diria mais: uma bela ceia num filme clássico de Natal — acrescentou Eduardo, ajustando a gravata dourada.

Aiko, que trajava um vestido verde-musgo justo na cintura, lançou um olhar observador para mim quando vi o seu prato pousado na minha frente.

— Espera — ela franziu ligeiramente o cenho, recostando-se na cadeira. — Não vais comer cabrito?

Sorri, sabendo que essa conversa surgiria em algum momento.

— Não, sou vegetariano há anos. Não como carne, mas garanto que a minha lasanha está tão deliciosa quanto o cabrito de vocês. — brinquei, piscando.

Ela apoiou o cotovelo na mesa, inclinando a cabeça.

— Interessante. Sempre pensei que os quenianos fossem apaixonados por carne.

David interveio, rindo.

— Ah, Noah foi uma exceção. Mas se o ouvirem falar sobre as plantações dele, vão perceber que ele tem uma devoção quase religiosa pelos vegetais.

— Bem, então agora faz sentido toda a decoração de orquídeas em vez de azevinhos. — Aiko comentou, lançando-me um olhar divertido.

— Exato. Plantas não são apenas decoração, são parte da minha vida. — respondi, segurando o copo de vinho e brindando com um sorriso.

A conversa seguiu animada, com Beatriz contando uma história desastrosa sobre a vez em que tentou cozinhar um peru e quase incendiou a cozinha. Todos riram, especialmente quando Marta confessou que o mesmo já lhe acontecera, mas com um bolo-rei.

Foi nesse momento que Sofia limpou a garganta e bateu levemente a faca contra o copo, chamando a atenção de todos.

— Muito bem, pessoal. Tenho um anúncio a fazer. — ela sorriu misteriosamente. — Esta tarde, depois do almoço, vamos ter uma atividade especial: uma sessão de cerâmica!

Os convidados entreolharam-se, claramente surpresos e entusiasmados. Mas foi Aiko quem ergueu uma sobrancelha com um ar de espanto modesto.

— Cerâmica? — perguntou, os olhos brilhando de curiosidade.

Sofia assentiu animada.

— Sim! Trouxe todo o material: ferramentas, barro e até aventais temáticos de Natal. A ideia é que cada um faça a sua própria caneca, para podermos usá-las no chocolate quente do próximo Natal.

Aiko olhou para mim, como se esperasse a minha reação. Sorri e inclinei-me ligeiramente na direção dela.

— Surpresa. — disse, num tom brincalhão. — Mas tenho certeza de que não te importas de assumir o comando, certo?

Ela balançou a cabeça, rindo baixinho.

— Engraçado. Nunca imaginei que viria para um Natal e acabaria a dar uma aula improvisada.

— Ah, mas isso prova que foi um ótimo plano — acrescentei, piscando-lhe um olho. — Afinal, quem melhor para nos guiar nesta experiência do que uma especialista?

O olhar de Aiko fixou-se no meu por um breve momento, e, pela primeira vez, senti que havia algo ali. Um brilho diferente, um início de cumplicidade que antes não existia. Ela desviou o olhar primeiro, pegando a taça e erguendo-a.

— Então brindemos à criatividade — disse ela, olhando à volta da mesa. — E às surpresas inesperadas.

Sofia, radiante com a aceitação da ideia, completou:

— E ao Natal que nos une de formas que nem imaginamos!

Todos brindaram, enquanto a conversa fluía entre risadas e comentários animados sobre o que cada um planeava esculpir. Mas, naquele instante, o meu pensamento estava focado em Aiko. E, pela primeira vez, comecei a perceber que aquela mulher não era apenas uma convidada especial. Algo nela despertava a minha atenção de um jeito que eu ainda não conseguia nomear.

A tarde avançava, e o grupo reunia-se na ampla área da casa preparada para a sessão de cerâmica. Sofia tomou a palavra, sorrindo ao olhar para Aiko.

— Antes de começarmos, quero que todos saibam que Aiko não é apenas uma professora de cerâmica, nem apenas uma artista. Ela tem um talento incrível, expõe o seu trabalho em várias galerias e, o mais inspirador, é que reverte 50% da venda dos seus vasos para ajudar casas de acolhimento para jovens e crianças em Portugal. A cerâmica dela não é apenas arte; é um reflexo do seu coração generoso.

Os convidados ficaram em silêncio por um momento, absorvendo a informação, antes de uma salva de palmas espontânea preencher o espaço. Aiko, visivelmente emocionada, baixou a cabeça por um instante.

— As aulas dela são muito mais do que moldar barro. São sobre paciência, sobre conexão e sobre encontrar beleza na imperfeição. E, para mim, mais do que uma professora, Aiko tem sido uma amiga maravilhosa. — concluiu Sofia, lançando-lhe um olhar sincero.

Aproveitei a deixa para intervir.

— Estou muito feliz por te receber aqui, Aiko. Espero que faças parte do grupo também no próximo Natal.

Beatriz sorriu e, com um tom brincalhão, acrescentou:

— Ainda que seja só para ser o meu par na mímica de novo!

Todos riram, mas Aiko piscou rapidamente, tentando conter a emoção.

— Eu… nem sei o que dizer. Não esperava um acolhimento tão caloroso. Obrigada, Sofia, por cada palavra. Obrigada, Noah, Beatriz, e a todos pela simpatia e amizade.

Respirei fundo e observei-a recuperar a compostura, assumindo o seu papel com naturalidade.

— Bem, agora que já me fizeram chorar — disse Aiko, enxugando um canto dos olhos e sorrindo —, está na hora de colocar as mãos na massa. Vamos lá, pessoal, mãos sujas e mente aberta!

Ela olhou para o grupo e lançou uma pergunta enigmática:

— Alguém aqui sabe qual é a verdadeira magia do barro?

Os olhares curiosos se voltaram para ela, e assim começava a nossa experiência artística, onde mais do que canecas, moldaríamos memórias.

 

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