Capítulo 5 - Yoga e Café ao Amanhecer

Neusa Mateus

25 de Dezembro de 2015

O relógio marcava 6h da manhã quando despertei, como de costume. O frio da madrugada ainda pairava sobre o campo, e a casa permanecia mergulhada num silêncio tranquilo, apenas interrompido pelo estalar suave da madeira na lareira, que ainda conservava algum calor da noite anterior.

Vestindo o roupão sobre o pijama, desci as escadas e fui direto à cozinha preparar a minha chávena de café. O aroma quente e amargo preencheu o ar, um convite reconfortante para o meu momento favorito do dia. Como sempre, dirigi-me ao meu lugar habitual: uma cadeira de balanço ao lado da estufa de orquídeas, no coração do meu jardim. Ali, entre tulipas e lavandas que plantara com carinho, iniciava as minhas manhãs em oração e contemplação.

Ao aproximar-me, no entanto, percebi uma figura no meio do jardim, perto da entrada da estufa.

Era Aiko.

Ela estava descalça sobre a relva fria, vestindo roupas leves e confortáveis, num equilíbrio perfeito entre força e suavidade. O seu corpo movia-se em harmonia com a respiração, alternando entre posturas graciosas e firmes. Observei por um instante antes de me anunciar.

— Não sabia que praticavas yoga tão cedo — comentei, levando a chávena aos lábios com um sorriso descontraído.

Aiko abriu os olhos e ergueu a cabeça na minha direção, mas manteve-se na posição em que estava.

— Sempre que posso. Faz parte da minha rotina diária. Começar o dia com alongamentos e meditação ajuda-me a equilibrar o corpo e a mente. — Ela fez uma última posição, inspirou profundamente e, por fim, sentou-se sobre os calcanhares, olhando para mim. — E tu, sempre começas o dia com café e flores?

— E oração — acrescentei, rindo. — Cada um tem os seus hábitos matinais. Mas confesso que nunca compreendi muito bem a prática da yoga. Para mim, parece algo puramente físico, mas vejo que para ti é mais do que isso.

Aiko sorriu, abraçando os joelhos.

— Para muitos japoneses, a yoga é uma forma de disciplina e autocontrole. No Japão, praticamos principalmente o Hatha Yoga, que se concentra em posturas e respiração. Não está necessariamente ligada à espiritualidade para a maioria das pessoas, mas sim ao bem-estar físico e mental. Algumas práticas são integradas à medicina tradicional japonesa, pois ajudam na circulação de energia pelo corpo.

Assenti, apoiando-me na cadeira de balanço.

— Interessante. Mas sempre ouvi dizer que algumas posições têm ligações espirituais mais profundas, que podem envolver adorações a deuses estranhos.

Aiko inclinou a cabeça, curiosa.

— Sim, há posturas que vêm de tradições antigas do Hinduísmo e do Budismo. Algumas representam saudações a divindades ou servem para canalizar energias específicas. Mas para mim, é apenas um exercício.

Dei um gole no café antes de responder.

— E se, sem perceberes, estiveres a participar de algo que vai além do exercício? — perguntei, com um tom tranquilo, sem intenção de confrontá-la. — Como cristão, acredito que a nossa adoração deve ser direcionada somente a Deus. Muitas das posturas da yoga têm origens religiosas, e mesmo que a intenção de quem pratica não seja essa, o ato em si pode ter um significado espiritual que desconhecemos.

Ela franziu ligeiramente a testa, refletindo.

— Mas não e a intenção que conta? Se eu não estou a invocar nada, apenas a alongar-me, qual seria o problema?

Apoiei o cotovelo no braço da cadeira e inclinei-me ligeiramente para frente.

— A intenção é importante, mas a Bíblia ensina que nem tudo o que parece inofensivo é espiritualmente neutro. 1 Coríntios 10:20 diz: "Antes, digo que as coisas que os gentios sacrificam, as sacrificam aos demônios, e não a Deus; e não quero que tenhais comunhão com os demônios". Muitas tradições espirituais têm símbolos e práticas que carregam significados profundos, independentemente de quem os pratica. O perigo está em envolver-se sem perceber a verdadeira essência do que está por trás.

Ela passou a mão pelo cabelo, pensativa.

— Então, achas que a yoga pode ser uma porta aberta para algo espiritual, mesmo que eu a veja apenas como um exercício?

— Exatamente. A Bíblia alerta para termos discernimento sobre o que praticamos. Se uma determinada posição foi criada como um ato de reverência a um deus hindu, então ao adotá-la, mesmo inconscientemente, há um risco de estarmos a nos expor espiritualmente. É como um ritual: pode-se repetir os gestos sem compreender, mas o significado espiritual continua presente.

Aiko suspirou, abraçando os joelhos novamente. O silêncio pairou por um momento antes de ela sorrir levemente.

— Nunca pensei nisso dessa forma. Sempre vi a yoga como algo tão… natural. Mas faz sentido que, se teve origem em práticas religiosas, talvez carregue algo mais profundo.

Acenei com a cabeça, satisfeito por ela estar aberta ao diálogo.

— O que acredito é que devemos buscar paz e equilíbrio, mas sempre através de algo que venha de Deus, não de tradições que Ele nos alerta para evitar. Em Filipenses 4:7, diz-se que "a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus". A verdadeira paz vem d’Ele.

Aiko olhou para o céu, onde o sol começava a espreitar timidamente no horizonte.

— Nunca tinha ouvido essa perspetiva. Não digo que concordo completamente, mas admito que me fizeste pensar.

Sorri, levantando-me com a chávena ainda quente nas mãos.

— Esse é o propósito de uma boa conversa. Não forçar ninguém a mudar de opinião, mas dar espaço para reflexão.

Ela sorriu de volta, levantando-se também.

Talvez amanhã, em vez de yoga, eu me sente aqui contigo para um café e um pouco dessa tua "contemplação". Quem sabe?

Senti um calor diferente no peito. Não pela possibilidade de convencê-la, mas pelo simples facto de ver alguém começar a questionar aquilo que antes parecia inabalável.

— Se fizeres isso, prometo preparar um café especial para ti. — brinquei, enquanto nos dirigíamos de volta à casa.

O sol subia lentamente, iluminando o dia que mal começava, mas que já carregava a promessa de novos diálogos e descobertas.

 

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