Capítulo 4 - Uma Noite para Recordar
Neusa Mateus24 de Dezembro de 2015
A noite caía suavemente sobre o campo, envolvendo a minha casa numa atmosfera acolhedora. O frio lá fora contrastava com o calor que se espalhava pelo interior, onde a lareira crepitava em harmonia com as notas suaves de um jazz nostálgico. A voz envolvente de Ella Fitzgerald preenchia o espaço, misturando-se ao aroma do prato queniano que eu preparava com carinho na cozinha.
A minha casa sempre fora um reflexo da minha essência: detalhes rústicos com pedras expostas, árvores integradas na estrutura e um teto de vidro que permitia que as estrelas vigiassem silenciosamente as nossas noites. O ambiente era acolhedor, iluminado por velas espalhadas estrategicamente para criar uma luz suave e reconfortante.
A primeira a chegar foi Beatriz, a colega solteira, acompanhada pelo casal Eduardo e Marta. Beatriz, é uma mulher vibrante de cabelo castanho curto e um sorriso sempre pronto, fora encarregada de uma tradição especial: distribuir as meias e camisolas de Natal personalizadas na entrada. Assim que atravessou a porta, levantou um saco cheio de tecidos vermelhos e verdes.
— Ah, sim! É agora que vos transformo todos em verdadeiros entusiastas natalícios! — anunciou, provocando risos.
Eduardo, alto e de barba bem aparada, pegou uma camisola e riu-se.
— Espero que isto não seja uma daquelas camisolas com renas de nariz brilhante.
Marta, a sua esposa, olhou para mim com cumplicidade.
— Eu adoro esta ideia! Aquece o ambiente e torna tudo mais divertido. No fundo, já me conquistaste, Beatriz!
Sorri ao ver a energia positiva que se instalava. Dirigi-me à cozinha para dar os toques finais ao meu prato.
Pouco depois, os outros convidados começaram a chegar. David e Sofia foram os seguintes a atravessar a porta, trazendo Aiko consigo.
— O que é isto? — perguntou Aiko ao ver Beatriz a distribuir as peças de roupa.
— Tradição de Natal! — explicou Sofia. — Vamos todos vestir camisolas temáticas e usar estas meias aconchegantes. Aqui é obrigatório andar descalço!
Aiko arqueou a sobrancelha, mas não conseguiu conter um sorriso.
— Esta é a coisa mais divertida que me pediram para fazer numa noite de Natal. Estou dentro!
Observei discretamente enquanto Aiko deslizava os dedos pela camisola que escolhera. Era vermelha com pequenos flocos de neve brancos.
O ambiente estava animado, e os restantes convidados chegaram pouco depois: o casal Ricardo e Joana, acompanhados pelo primo dele, Leonardo; e o casal Teresa e Filipe. Todos foram recebidos com abraços e sorrisos calorosos.
Antes do jantar, acomodei-os na sala de estar. A lareira ardia de forma reconfortante, enquanto todos seguravam canecas de chocolate quente e espetavam marshmallows em pequenos espetos para assar no fogo. A conversa fluía leve, com gargalhadas ocasionais quando alguém recordava uma história engraçada de natais passados.
Foi nesse clima que Ricardo sugeriu uma partida de mímica.
— Vamos formar duplas! — exclamou. — Cada um pega um papel e representa o que está escrito.
Os casais formaram pares naturalmente. Como anfitrião, acabei ficando com Leonardo, o primo de Ricardo. Aiko, para sua surpresa, foi pareada com Beatriz.
A primeira rodada foi marcada por gargalhadas. David tentava, sem muito sucesso, representar um pai Natal com dificuldades em descer pela chaminé. Beatriz e Aiko mostraram-se uma equipa inesperadamente boa, com Aiko rindo enquanto tentava imitar um boneco de neve a derreter.
— Parece que Aiko está a aquecer o espírito natalício! — brincou Sofia, piscando-lhe o olho.
Quando finalmente nos dirigimos para a sala de jantar, a decoração chamou a atenção de todos. Nada de pinhas, azevinhos ou luzes cintilantes. Apenas elegantes orquídeas espalhadas pela mesa, contrastando com a madeira rústica e o brilho suave das velas.
— Nunca vi uma decoração de Natal assim — comentou Aiko, admirando o espaço.
— Gosto de coisas mais simples, mas significativas — expliquei. — E as orquídeas são um reflexo do meu cuidado com a terra.
Aiko inclinou ligeiramente a cabeça, tocando delicadamente numa das flores.
O jantar foi servido. Trouxe o meu prato especial da terra natal, um Irio queniano, feito com puré de batatas, ervilhas e milho, tudo temperado com especiarias frescas. Os convidados portugueses trouxeram pratos tradicionais do Natal: Bacalhau com Natas, Leitão assado, Rabanadas e um Bolo Rei coberto de frutas cristalizadas.
— Tudo isto parece delicioso! — exclamou Teresa.
Enquanto comíamos, a conversa fluía para temas divertidos, desde filmes natalícios até recordações de natais da infância. Em determinado momento, David levantou a cabeça e olhou para mim.
— E então, Noah, o que te fez abrir a tua casa para tantos este ano?
Sorri, olhando para os amigos e, por um breve instante, pousando os olhos em Aiko.
— O Natal é sobre partilha. E eu sempre acreditei que, ao redor de uma mesa, somos todos família.
Aiko desviou o olhar, como se ponderasse sobre aquelas palavras.
Quando o jantar terminou, veio o momento da troca de presentes. Um a um, foram desembrulhando os pacotes e rindo das escolhas. Entreguei a Aiko uma pequena caixa com uma cruz delicada gravada com a frase: "A luz verdadeira guia sempre o caminho".
Houve um breve silêncio antes de Aiko rir, um pouco amarga.
— Uma cruz? Ora, isto não vai aquecer a minha alma, mas pelo menos é bonita.
Os convidados trocaram olhares discretos, mas apenas sorri.
— O Natal é cheio de surpresas, Aiko. Talvez um dia descubras que algumas coisas têm valor para além do que parecem.
Antes que todos se recolhessem para os seus quartos, esclareci:
— Como já tinha mencionado no convite, vocês vão passar a noite aqui. Para facilitar, escrevi os vossos nomes na porta dos quartos para que saibam onde deixar os pertences. Sintam-se em casa.
A noite seguiu com mais conversas e risadas suaves ao redor da mesa, enquanto o calor da lareira mantinha o ambiente acolhedor. Com o cansaço começando a insinuar-se nos rostos dos meus convidados, convidei-os a recolherem-se aos seus quartos.
Enquanto subiam as escadas, ainda se ouviam murmúrios animados e despedidas calorosas. No meu coração, algo me dizia que aquela noite ficaria gravada na memória de todos nós.