CAPÍTULO 2 - Preparativos Apurados

Neusa Mateus

19 de Dezembro de 2015

Uns dias mais adiante, após a visita ao Sr. Ferreira, deparei-me com um desafio técnico na estufa que me forçava a pôr em prática todos os conhecimentos adquiridos como agrónomo. As orquídeas, tão delicadas e apreciadas, apresentavam sinais de stress devido às alterações do microclima causadas pelo início do inverno. O aumento da humidade relativa e a queda brusca da temperatura criavam um ambiente propício ao desenvolvimento de fungos, especialmente o temido Botrytis cinerea.

Para resolver o problema, precisei ajustar o sistema de controlo ambiental: reprogramar os termostatos para manter a temperatura entre 18°C e 22°C, instalar ventiladores adicionais para melhorar a circulação do ar e regular a humidade com um desumidificador de última geração, que operava a 60% de humidade relativa.

Cada intervenção era uma dança minuciosa entre a ciência e a paixão pela natureza, assegurando que cada orquídea pudesse florescer com toda a sua beleza, mesmo sob a pressão dos imprevistos.

Depois de terminar os ajustes na estufa e regozijar-me por ter solucionado o problema do Sr. Ferreira, o Natal começava a revelar a sua correria característica. Entre o planeamento dos preparativos e as inúmeras intervenções que a profissão de agrónomo impõe, deparei-me com uma mensagem no meu telemóvel que me trouxe uma situação curiosa.

Mais tarde, enquanto revia a agenda, recebi um SMS da Sofia. Confesso que, apesar de todo o fervor dos preparativos, não podia evitar sorrir ao ler a conversa entre ela e a Aiko, que ainda não conhecia pessoalmente. Segue-se o diálogo que me foi encaminhado:

Sofia: "Olá Aiko, espero que estejas bem! Queria avisar-te que o Natal deste ano vai ser na casa do Noah Otieno. Vais ver, é um ambiente acolhedor, mesmo que ele venha de uma cultura muito diferente – afinal, o Noah é queniano e carrega consigo uma riqueza cultural única!"

Aiko: "Sofia, olha, não sei... A casa do Noah, com todo esse ar tão… exótico, não é mesmo? Não estou muito habituada a conviver com pessoas de etnia tão diversa. Tenho receio de não me sentir à vontade."

Sofia: "Mas Aiko, o Noah é um homem de grande coração e uma fé inspiradora. Além disso, é uma oportunidade para te abrires a novas experiências! Vais aprender tanto e, quem sabe, até encontrar um pouco de magia natalícia nessa diversidade."

Aiko: "Bem, talvez eu possa tentar. Mas já aviso, não prometo que me serei completamente simpática – tudo isto é tão… estranho para mim."

Sofia: "Confia em mim, querida! O espírito do Natal faz milagres e eu estarei contigo o tempo todo. Vais ver que, no fundo, o que importa é a partilha e o amor que se respira no ar."

Li aquela conversa com um misto de humor e preocupação. Por um lado, sentia orgulho em ver a Sofia a promover a união, mas por outro, notava uma resistência que vinha da própria Aiko – uma relutância que, embora velada, revelava preconceitos silenciosos que talvez fossem desafiados com o tempo.

Enquanto absorvia esse intercâmbio, regressei ao meu mundo de preparativos e detalhes práticos. Na mesma tarde, deparei-me com a tarefa de escolher os presentes de Natal para os convidados da minha casa.

Numa ligação breve, contatei o David para pedir o seu valioso conselho:

— David, estou numa dúvida sobre o presente para a Aiko. Quero que seja algo que, de forma subtil, a convide a refletir sobre a fé. Estou a pensar num objeto que represente a minha esperança de que um dia ela encontre a paz que o cristianismo me traz, mas temo que ela o encare com ironia.

Do outro lado da linha, a voz de David soou sempre descontraída, mas sincera:

— Noah, que tal uma pequena cruz de prata? Não é um presente qualquer – é simbólico. Imagina uma cruz delicada, gravada com a mensagem “O amor verdadeiro ilumina o caminho”. Pode ser o início de uma conversa, mesmo que ela, à primeira vista, ache que é um presente “sem utilidade” para a sua vida.

Suspirei, ponderando o que disse:

— Exatamente, David. Já consigo ouvir a Aiko a fazer uma piada amarga, tipo “Uma cruz? Ora, isso não vai preencher o vazio que sinto!” Mas se for o que convide à reflexão, então arrisco.

— Às vezes, Noah, é preciso semear uma ideia – mesmo que ela cause algum desconforto inicial. Afinal, todos os presentes serão de crentes entregues a Cristo, e este, com toda a delicadeza, pode ser o pontapé para que ela se questione e, quem sabe, encontre o que procura.

— Concordo, David. Então, vou arriscar com a cruz. Espero que o espírito natalício toque o coração dela, ou pelo menos abra espaço para uma conversa sincera sobre fé e significado.

Após desligar a chamada, reparei que, entre as tarefas e os imprevistos, o Natal já se mostrava como uma dança entre tradições, desafios e convites à mudança. Na correria dos preparativos, entre ajustes técnicos na estufa e a escolha de presentes que carregavam significados profundos, a minha vida de agrónomo e homem de fé seguia tecendo, mesmo que discretamente, os fios que uniriam dois mundos tão distintos.

E assim, entre a ciência das plantas e a arte de semear esperança, preparava-me para um Natal que, apesar das suas pressões e correria, prometia ser repleto de encontros, desafios e, quem sabe, milagres.







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